O Famélico
De todas essas coisas, o que recebi foi a gleba e a fome.
Meus dentes arreganhados de dor. Minha vontade de digerir prosélitos e padres.
Concubinas de saques.
Minha famélica imagem a perturbar a bela tarde de uma
burguesa. Tinha corroídos estômagos, rins desajustados, minhas fezes a cair de
minhas calças, tudo arrumadinho e repulsivo, como gosta.
Carcaças ejaculantes
de desespero e um deserto de frio e sede, que insaciável minha boca percorria,
que sôfrega a minha língua lambia.
De todas essas coisas, o que recebi foi à
fina luz que o céu me enviou. A carapaça do meu ventre inchado. A minha infâmia
desfilando lentamente pelo campo, estéril e histérico. Em um azul enjoativo e
definitivo, que corroia meu estomago e feria minha vesícula de ausência.
Que eu
via o esplendor do prenuncio de minha morte e que cavalgava um cavalo branco
como aquela neve de mãe. Teria suportado tudo isso, se não fosse os risos
insanos, e o canibalismo.
Se não devorássemos como animais nossa cultura. Se
não devorássemos como convivas nossos irmãos. Pés, cabeças e troncos.
Seriamos
menos conscientes do desastre? Teríamos a alternativa do desgosto, ou pelo
menos a tristeza? Faríamos coisas simples e belas? Haveria clemência para com a
nossa memória? Eu pelo menos seria menos bestial e humano?
É por demais complexos ter outros
sentimentos, quando olhos arrancados, no chão, me observam após uma refeição
calma e controlada. De todas essas coisas, lembrarei mesmo com dor e desespero,
e farei uma pergunta cósmica ao deus.
Perguntaria ao mistério, porque se
permite coisas que depõe contra a santidade. Eu seria limpo da minha própria
ignorância. E talvez, apenas talvez, minha boca se fecharia satisfeita.