quinta-feira, 22 de novembro de 2012


 
Duvidas

Ah meus anátemas, sigilos, túmulos, devolvam-me o tumulto, as iras bucólicas, a dor de cólicas que desce. As marismas, os holofotes que me cegam. Meus medos, casamatas e barulhos, Sofrimentos e sincopes extirpada. Deem-me a visão, me devolvam a mim meu layout, toda minha refinada juba, meu recorte de jornal, as presas, miolos, varizes, as cataratas, as quedas, a cegueira noturna, a diarreia, a minha ferina ilusão, cacas e restos.

Deem-me o rotulo correto.

 
 
O Lugar Secreto

 

Cercai-vos, cercai-vos, caminheis mais.

Deixe essa pura luz, com pontos de trevas,

Envolver-lhe, deixes que o reflexo da água,

Mostre-lhes sombras nunca vistas,

Que árvores escuras e sombrosas lhes façam vultos.

Que esse rio que passa seja seu ultimo destino,

Secreta é sua alma, secreto é seu sorriso,

Enigmático é o surgimento desse jardim,

Um fosso de esfinges mudas e solitárias,

Um mundo onde pode arregaçar o seu corpo,

Para que desnude toda sua vontade.

 
Saída do Metro

 

Oh ventre cruel, coisa coisificada, verme de mim mesmo. Quero você à mulher suculenta e calejada. Depois daquela viagem resistente ao vírus. Vagões solitários e paisagens indóceis. A doença tensa, a tosse seca, ao marasmo da alma, e enfim a violência simbólica. Teria eu menos visão? Começaria a pestanejar como um neurótico e faria produtos de areias, conchas e cérebros. Cacarejaria como um frango, preste a ser servido. Mas teria dentro de mim a herança de uma alma. Não aceitaria de jeito nenhum, um átimo sequer de intolerância. Seriam milhões de gritos de horror, quando a porta se fechasse. Eu teria verdadeiramente, as imagens daquele parque fundido no meu corpo. Eu teria cada centímetro de imagem ululando na minha retina: eu estou aqui, nos levantemos irmãos, cobremos o ultimo dizimo por nossa desgraça. E os ônibus passariam nas avenidas a nossa espera. E teríamos a comunicação com o vazio estéril. E faríamos o que varias gerações deveriam ter feito. Faríamos de nossa alma algo independente de nosso corpo.     

 

 

 
O Famélico

 
De todas essas coisas, o que recebi foi a gleba e a fome. Meus dentes arreganhados de dor. Minha vontade de digerir prosélitos e padres. Concubinas de saques.
Minha famélica imagem a perturbar a bela tarde de uma burguesa. Tinha corroídos estômagos, rins desajustados, minhas fezes a cair de minhas calças, tudo arrumadinho e repulsivo, como gosta.
Carcaças ejaculantes de desespero e um deserto de frio e sede, que insaciável minha boca percorria, que sôfrega a minha língua lambia.
De todas essas coisas, o que recebi foi à fina luz que o céu me enviou. A carapaça do meu ventre inchado. A minha infâmia desfilando lentamente pelo campo, estéril e histérico. Em um azul enjoativo e definitivo, que corroia meu estomago e feria minha vesícula de ausência.
Que eu via o esplendor do prenuncio de minha morte e que cavalgava um cavalo branco como aquela neve de mãe. Teria suportado tudo isso, se não fosse os risos insanos, e o canibalismo.
Se não devorássemos como animais nossa cultura. Se não devorássemos como convivas nossos irmãos. Pés, cabeças e troncos.
Seriamos menos conscientes do desastre? Teríamos a alternativa do desgosto, ou pelo menos a tristeza? Faríamos coisas simples e belas? Haveria clemência para com a nossa memória? Eu pelo menos seria menos bestial e humano? 
É por demais complexos ter outros sentimentos, quando olhos arrancados, no chão, me observam após uma refeição calma e controlada. De todas essas coisas, lembrarei mesmo com dor e desespero, e farei uma pergunta cósmica ao deus.
Perguntaria ao mistério, porque se permite coisas que depõe contra a santidade. Eu seria limpo da minha própria ignorância. E talvez, apenas talvez, minha boca se fecharia satisfeita.

 

 
 
 
A Criatura No Escuro

 
Ser do meu pensamento. Criatura da minha criação. Divaga-me o meu espírito. Leva-me com sua musica as profundezas do meu eu querido. Constrange-me, açoite-me, com sua musica terrível. Cala-me diante de tanta beleza. Tortura-me a alma com tanto mistério. Angustia-me o corpo com tanta formosura. Leve-me criança ao teu semblante de treva. Afligi-me uma vergonha atroz. Somente para que eu possa dormir na tranquilidade, de uma noite sem lua.

 
Nos Muros do Castelo

 

Ah tempo. Ah intempérie. Folheio-te, e tu me folheias na obra rara. Marquei as paginas com carinho extremado, para não nos perdermos. Assustei-me com o segredo, e me deliciei com as impressões fantásticas. Vi nossos rostos em mil cenas de fogo, e nunca terminei o caminho daquela estrada estranha. Até um castelo majestoso e nuvioso. Misturas de pedras e pó, lua e arvores mortas. Continuo sempre até a curva daquela estrada de nossa memória. Quero a imortalidade de nossa paixão, os belos lobos famintos que fomos, mesmo que reconheça que a brasa serena a cada dia.

 
Lembrança de Fogo

 
No cair da Noite, nas paginas da vida, passarei os dedos, como quem dedilha música. Melodia de seu corpo, que lembrarei como uma vaga de pássaros escuros. E sua língua quente água, escaldante de brasas de seus lábios. Um dia serei a úmida terra. Sua boca será a úmida terra. E tudo isso passará. Mas meus dedos serão minhas memórias ardentes. Que arderão que queimarão que incinerarão a sua imagem em um instante.